Somos
culpados, mas de quê?
Pesquisa
mostra que a culpa mais dolorosa é o lamento por não agirmos conforme
nossos desejos.
A
melhor polícia do mundo não conseguiria manter a ordem se respeitássemos as
leis apenas por medo da punição. A sociedade funciona (mais ou menos) porque
infrações e crimes despertam, não só a atenção de autoridades, como a PM e a
PF, mas também nossa consciência: a perspectiva do arrependimento nos inibe.
Freud
percebeu que, frequentemente, nos culpamos mais do que deveríamos: vemos crimes
onde não existem, julgamos nossas meras intenções e sonhos como transgressões e
nos punimos para aliviar a culpa que sentimos. Até os anos 60, o sentimento de
culpa era majoritariamente percebido como arrependimento por desrespeitar uma
norma ou autoridade.
No seu
seminário (um tanto críptico) de 1959-60 ("A Ética da Psicanálise",
Zahar), o psicanalista francês Jacques Lacan propôs uma visão diferente: a
culpa mais profunda e mais dolorosa surgiria não por termos desobedecido a uma
norma, mas por termos negligenciado nossos próprios desejos, por não termos
agido como queríamos. É lógico que lamentemos, de forma mais amarga, as
oportunidades perdidas.
O
sentimento de culpa é quase onipresente, enquanto as transgressões reais são
raras. Logo, a culpa que frequentemente nos atormenta deriva mais de nossa
inação do que de nossas ações impulsivas.
No ano
passado, Ran Kivetz e Anat Keinan publicaram uma pesquisa que confirma essa
perspectiva ("Hipermetropia Pesarosa: uma Análise dos Arrependimentos do
Autocontrole", "Journal of Consumer Research", vol. 33, setembro
2006). Eles confirmaram que: 1) todos nós reprovamos decisões que visam apenas
prazer imediato sem considerar as consequências futuras; 2) mas, a longo prazo,
o que prevalece é o arrependimento por não agirmos conforme nossos
impulsos ou desejos.
Na
visão de Kivetz e Keinan, embora saibamos que nossos impulsos possam ser
imediatistas, frequentemente agimos pensando nas consequências a longo prazo.
Entretanto, com o tempo, lamentamos as oportunidades de satisfação imediata que
deixamos passar.
Os
autores sugerem que, ao refletirmos sobre nossas vidas, lamentamos mais as
coisas que queríamos fazer e não fizemos do que as ações "sábias" que
evitamos. O arrependimento por não seguir nossos desejos ressoa mais forte e
por mais tempo do que o arrependimento por ter agido impulsivamente.
Para
entender o impacto dessa pesquisa, não pense apenas em pequenas indulgências,
como comer uma segunda fatia de bolo, mas em decisões maiores da sua vida: uma
carreira da qual você desistiu ou um amor que escondeu. A longo prazo, essas
renúncias doem mais do que a culpa que sentiríamos por seguir nossos
verdadeiros desejos, mesmo que contrários às expectativas sociais.
Referência:
CALLIGARIS,
Contardo. "Somos culpados, mas de quê?". [S.l.], [Data da publicação
(se disponível)]
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