quinta-feira, 5 de abril de 2018

Psicologia

Somos culpados, mas de quê?

Pesquisa mostra que a culpa mais dolorosa é o lamento por não agirmos conforme nossos desejos.

A melhor polícia do mundo não conseguiria manter a ordem se respeitássemos as leis apenas por medo da punição. A sociedade funciona (mais ou menos) porque infrações e crimes despertam, não só a atenção de autoridades, como a PM e a PF, mas também nossa consciência: a perspectiva do arrependimento nos inibe.

Freud percebeu que, frequentemente, nos culpamos mais do que deveríamos: vemos crimes onde não existem, julgamos nossas meras intenções e sonhos como transgressões e nos punimos para aliviar a culpa que sentimos. Até os anos 60, o sentimento de culpa era majoritariamente percebido como arrependimento por desrespeitar uma norma ou autoridade.

No seu seminário (um tanto críptico) de 1959-60 ("A Ética da Psicanálise", Zahar), o psicanalista francês Jacques Lacan propôs uma visão diferente: a culpa mais profunda e mais dolorosa surgiria não por termos desobedecido a uma norma, mas por termos negligenciado nossos próprios desejos, por não termos agido como queríamos. É lógico que lamentemos, de forma mais amarga, as oportunidades perdidas.

O sentimento de culpa é quase onipresente, enquanto as transgressões reais são raras. Logo, a culpa que frequentemente nos atormenta deriva mais de nossa inação do que de nossas ações impulsivas.

No ano passado, Ran Kivetz e Anat Keinan publicaram uma pesquisa que confirma essa perspectiva ("Hipermetropia Pesarosa: uma Análise dos Arrependimentos do Autocontrole", "Journal of Consumer Research", vol. 33, setembro 2006). Eles confirmaram que: 1) todos nós reprovamos decisões que visam apenas prazer imediato sem considerar as consequências futuras; 2) mas, a longo prazo, o que prevalece é o arrependimento por não agirmos conforme nossos impulsos ou desejos.

Na visão de Kivetz e Keinan, embora saibamos que nossos impulsos possam ser imediatistas, frequentemente agimos pensando nas consequências a longo prazo. Entretanto, com o tempo, lamentamos as oportunidades de satisfação imediata que deixamos passar.

Os autores sugerem que, ao refletirmos sobre nossas vidas, lamentamos mais as coisas que queríamos fazer e não fizemos do que as ações "sábias" que evitamos. O arrependimento por não seguir nossos desejos ressoa mais forte e por mais tempo do que o arrependimento por ter agido impulsivamente.

Para entender o impacto dessa pesquisa, não pense apenas em pequenas indulgências, como comer uma segunda fatia de bolo, mas em decisões maiores da sua vida: uma carreira da qual você desistiu ou um amor que escondeu. A longo prazo, essas renúncias doem mais do que a culpa que sentiríamos por seguir nossos verdadeiros desejos, mesmo que contrários às expectativas sociais.

 

Referência:

CALLIGARIS, Contardo. "Somos culpados, mas de quê?". [S.l.], [Data da publicação (se disponível)]


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